Transformers: O Despertar das Feras não revoluciona, mas diverte | Crítica
Novo filme da saga compensa falta de surpresas com ação de primeira e personagens carismáticos
Em 2007, o mundo foi pego de surpresa pelo primeiro live-action de Transformers. Único título original entre as cinco maiores bilheterias do ano, o longa lançou uma franquia cuja qualidade e popularidade decaíram a cada lançamento. Uma nova esperança surgiu em 2018 com Bumblebee, prelúdio de menor escala que focou mais na emoção do que na explosão. É com toda essa bagagem que Transformers: O Despertar das Feras chega aos cinemas, trazendo novos ingredientes para recriar o encanto original – mesmo que derrape algumas vezes pelo caminho.
Sequência direta do filme solo de Bumblebee, O Despertar das Feras passa longe de reinventar a roda. A bem da verdade, a produção vai na contramão e foca seus esforços em costurar tudo o que deu certo nos longas anteriores e investir em novidades para conquistar um novo público e até recuperar quem largou mão da saga.
O esqueleto da produção é uma típica aventura de Transformers: robôs alienígenas são ameaçados em seu lar, fogem para a Terra e trazem os vilões consigo. Para resolver a bagunça, eles precisam da ajuda dos humanos em uma corrida contra o tempo para impedir que o nosso planeta azul padeça perante os robôs maus. Tudo isso enquanto procuram por um artefato mágico e conhecem novas máquinas de guerra.
Mais de 15 anos e sete filmes depois, a franquia já provou que essa estrutura é seu ponto de partida e conta que a sensação de déjà-vu não seja uma barreira para espectadores mais experientes. Aliás, essa boa-vontade (ou a falta dela) é fator determinante para a experiência de O Despertar das Feras, que se esforça para trazer novidades capazes de compensar os vários vícios que carrega.
A primeira grande novidade são os heróis envolvidos. Do lado dos Autobots, o destaque é Mirage, carro juvenil e descolado que é peça-chave para o funcionamento da conexão humano-máquina. Um papel que costumava ficar com Optimus Prime, que ganha um arco diferente que amplia sua mitologia e traz uma nova dinâmica em comparação ao que foi mostrado antes.
Porém, os Autobots não vêm sozinhos. As tais “feras” do título são os Maximals, máquinas com visual de animais ao invés de carros. Eles carregam uma mitologia própria que resgata um dos trunfos do primeiro Transformers: a sensação de descobrimento. Além da origem e motivação, o grupo chama a atenção especialmente pelo visual.
Apesar do filme nunca se importar em explicar por quê adotaram a forma da fauna do nosso planeta, a produção é eficaz ao estabelecer uma identidade própria aos personagens. As novas máquinas incorporam pelos, penas, garras e bicos em um design vistoso – contrário do monte de metal retorcido que os Transformers se tornaram nos filmes anteriores.
Todas essas novidades dão a O Despertar das Feras um frescor que a saga precisava. Seguindo a deixa do filme solo do Bumblebee, que encontrou o coração que a saga havia perdido há muito, o novo filme aumenta o escopo sem perder a emoção de vista. O que nos leva a outra lição aprendida com a produção-solo do fusca amarelo: o componente humano engrandece a história, se bem tratado.
Não é segredo que os humanos têm uma posição ingrata ao ficar com a parte menos interessante de aventuras cujo chamariz é a porradaria entre robôs que se transformam em carros. Mas O Despertar das Feras se esforça para que os terráqueos sejam não apenas a âncora emocional, mas também participem ativamente da jornada, ajudando os robozões a seguir até as inevitáveis pancadarias.
Os heróis da vez são apresentados com problemas relacionáveis que colocam o público ao seu lado quase instantaneamente. Uma deixa aproveitada por Anthony Ramos e Dominique Fishback, cujo carisma torna Noah e Helena ótimos representantes do público na ação. Em um filme tão preocupado em justificar a presença dos humanos a cada passo, a dupla se torna um destaque ao fazer a necessária ponte entre dramas terrenos e a pancadaria robótica apocalíptica.
Esse elenco de representantes das raças humana, Autobot e Maximal são forçados a unir forças por uma jornada que empolga, mas não surpreende. Do lado negativo, O Despertar das Feras cai nas mesmas armadilhas de seus antecessores ao encher a trama de clichês que roubam qualquer sensação de surpresa.
Narrativamente falando, chega a ser frustrante que cinco roteiristas contaram demais com a boa-vontade do público na hora de conectar os pontos-chave da história. A falta de criatividade é tanta, que mesmo alguém que nunca consumiu um filme de Transformers é capaz de prever as viradas da produção.
Se não pode contar com muitas surpresas, o filme ao menos é honesto ao explorar o grande chamariz da franquia: a ação. Seja nas corridas automobilísticas ou nas pancadarias, a produção é um prato cheio para quem procura adrenalina. Especialmente graças à direção de Steven Caple Jr. (Creed II), que conduz o espetáculo visual esperado de um filme de Transformers.
Demonstrando grande paixão pelos personagens que tem em mãos, o cineasta mira na obra de Steven Spielberg para resgatar o gosto de aventura que o mestre dos blockbusters despertou com seus clássicos. As homenagens e citações diretas a clássicos como Indiana Jones e Jurassic Park não são gratuitas e surgem na tela como o objetivo que a produção busca atingir.
É claro que não cabe comparação com nenhum desses clássicos – algo que faria mal não apenas a O Despertar das Feras, mas à grande parte dos blockbusters produzidos atualmente. Porém, essas influências dão o tom da produção e trazem um novo gosto às lutas. Os combates são empolgantes, vistosos e proporcionam o entretenimento esperado por quem volta à franquia. Não revoluciona, mas diverte.
Entre oportunidades perdidas e atualizações necessárias, O Despertar das Feras é o que se espera de Transformers em live-action. É fato que não foi dessa vez que a franquia fugiu de seu padrão, o que pode afastar quem já não se encanta mais com a porradaria entre robôs gigantes. Porém, àqueles com apetite para ação, há novidades o suficiente para que o retorno à saga seja marcante. Afinal de contas, não é sempre que se assiste um gorila mecânico saindo na porrada nas redondezas de um patrimônio cultural da humanidade.