Homem-Aranha: Através do Aranhaverso expande multiverso em aula de heroísmo | Crítica
Continuação eleva forças do original e se torna a experiência definitiva de multiverso nos filmes de super-heróis (pelo menos até o terceiro filme)
Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é a prova de que com grandes expectativas, vêm grandes desafios. Por um lado, trata-se da continuação de um filme premiado que revolucionou as animações produzidas em Hollywood. Por outro, é a parte do meio de uma trilogia, o que poderia criar a ilusão de que o melhor foi guardado para o final. Juntando tudo isso, é um feito e tanto que o longa seja a expansão que esse multiverso fantástico merece.
Não é novidade a estratégia de transformar uma sequência em uma versão “maior e melhor” do primeiro, e esse direcionamento serve como ponto de partida para a produção. Enquanto Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) mostrou o “multiverso-aranha” indo a Miles Morales, agora é a vez do garoto desbravar outros universos enquanto lida com o inusitado vilão Mancha em seu próprio mundo.
O roteiro de Phil Lord, Christopher Miller e Dave Callaham é esperto: reconhece a empolgação causada pela promessa de passar por realidades paralelas e a aproveita em favor da história que decidiram contar. Cada novo mundo visitado pela produção transforma o filme, que se beneficia de cada estadia, explorando os locais tanto visualmente quanto narrativamente.
Os novos locais servem à história por apresentar situações que ajudam a dimensionar o Aranhaverso, suas regras e ameaças. A estrutura que conecta essas realidades é exposta aos heróis — e ao público — na prática, em meio a resgates, combates e afins. Ao mesmo tempo, eles apresentam novos seres-aranha e divertem ao apontar diferenças e similaridades com o que já conhecemos em graus variados, indo de piadas a pontos chave da trama.
A história também é construída para que cada novo mundo seja apresentado com um deslumbre visual único, que é saboreado por tempo o suficiente para marcar os espectadores. Não é exagero dizer que a equipe de animação criou cenários tão interessantes e distintos quanto a Nova York de Miles que conhecemos no primeiro filme. Seja em versões mais próximas, como a do universo da Gwen-Stacy em que o que domina é o uso das cores, ou nos mais distintos, como a mistura entre Manhattan e Mumbai no mundo do Homem-Aranha Indiano e até o paraíso futurista do Homem-Aranha 2099.
Essa viagem por novos universos não é o único aspecto que Através do Aranhaverso expande em relação ao original. O novo filme não se esquece de que o primeiro só funcionou graças ao equilíbrio dos desafios de Miles Morales com e sem a máscara e não esquece desse lado da história. Consciente de que amadurecer é um processo longo, a produção leva os conflitos internos do protagonista adiante.
A busca por uma identidade própria, as dificuldades em lidar com as expectativas dos pais e os próprios sonhos não deixam de ser um dos focos da produção. Pelo contrário, são conflitos que humanizam Miles e os demais personagens, o que reflete em suas formas de agir como Homem-Aranha. Afinal de contas, já passou da hora do cinema mergulhar mais na natureza do personagem para além do já consagrado mantra de que “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”.
Para isso, o filme também abre um merecido espaço maior para Gwen Stacy. A personagem ganha mais atenção dentro de um arco próprio que finalmente aborda seus traumas, desejos e ansiedades, tornando-a um dos fios condutores de Através do Aranhaverso. Além de dar a devida atenção à heroína, esse direcionamento também traz ângulos únicos para a jornada e novas camadas à dinâmica com Miles, que já havia se provado um sucesso anteriormente.
Com o desenrolar do filme, a dupla se torna a base para a nova história ao levá-la adiante e entrar em contato com os novos Homens/Mulheres/Animais/Objetos-Aranha. Os Guerreiros da Teia – como são chamadas as versões alternativas do Homem-Aranha nas HQs – trazem uma bem-vinda variedade à trama e expandem o papel desempenhado por Noir, Peni Parker e Porco-Aranha anteriormente.
Se antes as variantes serviam para mostrar que o heroísmo aracnídeo pode vir nos mais variados formatos, as novas levam o conceito adiante ao mostrar como a ideia de heroísmo pode variar de pessoa para pessoa. É assim que o Homem-Aranha 2099 se torna um personagem tão importante para a produção.
Mais do que ter papel importante na união dos heróis do multiverso, Miguel O’Hara traz conflitos que expandem o debate em torno do que “faz” um Homem-Aranha. Um papel agridoce considerando o que se espera de um Guerreiro da Teia, mas que traduz bem o lado sombrio da tese da franquia Aranhaverso sobre a importância de se fazer escolhas.
É curioso que o filme faça todo esse esforço descrito até aqui para engrandecer a jornada de Miles Morales. É claro que cada personagem e seu mundo ganham importância e são tratados com respeito, mas eles orbitam o amadurecimento do garoto. Se o primeiro filme mostrou o jovem entrando na puberdade — de forma literal e figurativa ao receber poderes de Homem-Aranha –, o novo filme se dedica em acompanha-lo nos primeiros passos na vida adulta.
Não é à toa que a produção, cujo carro-chefe é um passeio por um multiverso de super-heróis, se dedica tanto ao cotidiano familiar do herói. É através da singela relação com os pais que o público é capaz de entender as angústias, desejos e frustrações do garoto. Mais ainda, é possível se conectar com elas, já que quem assiste ao filme já passou ou vai passar por conflitos semelhantes. E é aí que a produção ativa o verdadeiro poder do Homem-Aranha: o fator identificação.
Com tudo isso em mãos, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso brilha ao encontrar uma nova forma de contar uma aventura universal enquanto cria a experiência definitiva de multiverso no cinema de super-heróis. A direção de Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson conduz o longa com as doses certeiras de empolgação, drama e comédia de forma a tornar a história ainda mais envolvente, impactante e surpreendente.
Não há atestado maior para isso do que a forma como o filme encaixa a chuva de easter eggs quando Miles e Gwen passeiam pela Sociedade Aranha. Com homenagens capazes de deixar qualquer fã do Homem-Aranha feliz – seja nas HQs, filmes, animações ou games –, as referências nunca roubam o foco da história e surgem como a cereja do bolo.
Nesse ponto, é importante ressaltar também a forma como o novo filme incorpora os eventos do anterior. É claro que cada obra precisa ser julgada por seus próprios méritos e defeitos, mas houve grande esforço para costurar a nova história nos eventos e personagens do anterior. Por mais óbvio que isso pareça, se ater em detalhes ao ponto de conectar viradas importantes da nova aventura a ferramentas da anterior valoriza a própria mitologia e dá um senso de unidade nessa trilogia em que tudo se conecta com naturalidade.
Com isso, Através do Aranhaverso prova que o sucesso do filme anterior não foi sorte. A produção atende às enormes expectativas ao seu redor ao promover exatamente a experiência que se esperava, mas com contornos surpreendentes. A produção dá um salto de fé rumo a novos ares e nos lembra que ainda há muito a se fazer com os super-heróis.